Nestes 25 anos de Palavras Cruzadas já conheci e partilhei muitas palavras mas, de todas, e por mais anos que eu por aqui ande a criar passatempos, a palavra «xurdir» ficará para sempre como «a palavra».
Encontrei-a, em 1999, enquanto melhorava as minhas bases de dados... letra X... lá estava: xurdir, fazer pela vida.
Fiquei encantado... fazer pela vida.
A partir desse momento decidi que o mundo teria de conhecer essa palavra.
Há outras que significam o mesmo mas «xurdir» foi um caso de «amor à primeira vista».
Comecei por levá-la para as Palavras Cruzadas e pintá-la em T-shirts.
Em 2011, levei-a para o meu livro 'Palavras Cruzadas com Literatura' e ganhou o "estatuto" de «palavra preferida».
Foi referida em entrevistas, teve honras de rádio.
Em 2012, respondendo a um desafio de Pedro Chagas Freitas, escrevi um conto:
Xurdir
Pousou o marcador preto e voltou a olhar-se no espelho.
Estava perfeito. Parecia mesmo que lhe faltava um dos dentes da frente. Dava-lhe um ar muito mais miserável. A mulher, naturalmente desdentada, não precisava desses artifícios.
Natalino, o filho, esperava na rua ao lado do seu fiel amigo, Lamões, o cão zarolho.
O cão esteve para se chamar Camões, mas o olho que lhe faltava não era o do lado de cá... era o do lado de lá.
Finalmente os pais saíram de casa, andrajosos… para terem um ar mais convincente.
Todos os sábados iam para junto da praça arrumar carros. Não é que precisassem. Era apenas uma maneira de arranjar dinheiro para alguns extras… um vestido novo, umas sapatilhas para o Natalino, pagar o canal da bola do pai. E resultava.
Natalino ficava à porta da praça com o Lamões sempre ao seu lado direito. Natalino era uma espécie de olho esquerdo do Lamões.
Natalino nunca dava o dinheiro todo a seus pais. Planeava fugir de casa… ouviu dizer que se ganhava mais dinheiro a pedir nos mercados de Paris.
Os pais de Natalino tinham pouco em comum… digamos que se completavam.
O pai gostava de peito, do frango, a mãe gostava das coxas. O pai era do Benfica mas gostava de azul, a mãe era do Porto mas gostava da cor verde.
Em comum, tinham o vício dos passatempos… a mãe gostava de Sudoku, o pai era louco por Palavras Cruzadas.
O pai do Natalino era muito bom a fazer Palavras Cruzadas mas nesse dia não estava a conseguir preencher todos os quadradinhos brancos daquela grelha.
-Hum!?... Fazer pela vida, seis letras… mulher, sabes esta?
- Seis letras?... não estou a ver.
Em 2014, em jeito de "brincadeira", criei, no Facebook, a página «Xurdir para palavra de 2014».
A partir daí a "coisa" ficou ainda mais séria.
A adesão à página foi incrível.
As pessoas identificaram-se com a palavra.
A palavra, utilizada em Trás-os-Montes, é também uma palavra mirandesa.
A palavra foi partilhada, divulgada, pintada em paredes, até numa pedra deixada na praia.
No final de 2014, a Porto Editora possibilitou que uma das dez palavras candidatas a Palavra do Ano fosse encontrada através de votação.
Não perdi tempo... apelei ao voto... a Rede funcionou e as pessoas votaram.
A palavra «xurdir» conseguiu a «proeza» de figurar entre as 10 candidatas a Palavra do Ano de 2014.
Seguiu-se a votação final... a palavra «xurdir» causou espanto, entusiasmou.
Foi alvo de reportagens televisivas, artigos em jornais, apareceu em cartoons, inspirou ilustradores, foi utilizada por políticos e apresentadores de televisão... foi um mês alucinante.
No início de 2015, a Porto Editora divulgou a Palavras do Ano... «Xurdir» ficou num extraordinário 2.º lugar.
«Xurdir», um regionalismo que passou das Palavras Cruzadas para o vocabulário de muitas pessoas... foi esse o grande prémio.
Xurdir, em revistaXurdir - Fazer pela vida (vídeo que mostra o local onde foi pintada esta palavra "mágica"
Junte-se à nossa comunidade de amigos e receba regularmente passatempos, novidades, truques e dicas.